terça-feira, 30 de setembro de 2014

A Caixa Dentro da Caixa

Contrariando um pouco a proposta do blog vou trazer algumas reflexões (mais precisamente duas) pensando dentro da caixa... mas, na verdade, isso é só pra mostrar as caixas dentro da caixa as quais algumas pessoas se recusam a pensar fora. E vou fazer estas reflexões em cima de um tema problemático: a sustentabilidade. Vale salientar que não é objetivo deste texto traçar uma definição ou discutir interpretações sobre o tema. Pretendo aqui tecer alguns comentários a respeito de algumas posturas de indivíduos que tenho tido contato constantemente.

A primeira, e mais corriqueira que vejo, é em relação ao tripé da sustentabilidade, ou triple bottom line (caso não conheça clique aqui), que, embora não seja unanimidade, é um conceito muito bem aceito quando se trata deste assunto. A coisa mais comum em debates pela internet é ver pessoas que dizem trabalhar com sustentabilidade usando frases como “as pessoas só estão vendo o lado ambiental da coisa”, ou “utilizamos tal ação para o campo ambiental e tal ação para o campo econômico”. Ambas frases demonstram uma total falta de compreensão do conceito supracitado. A imagem do tripé não é arbitraria, ela simboliza exatamente que cada elemento (ou ação) tem de estar sustentado pelos três campos, como em uma viga reciproca, representada na figura abaixo, onde cada pé contribui para manter a estrutura de pé, e sem ele ela desmoronaria. Logo, se existe uma falha no campo ambiental (ou em qualquer outro) não significa que as pessoas estejam olhando só este campo, e sim de que este elemento não se sustenta pois ele é falho nesse ponto. Da mesma forma, os elementos não podem pertencer a algum dos campos, e sim possuir um 'peso' em cada um deles. Observe que tais considerações não foram feitas para pessoas que questionam este conceito como valido, mas para pessoas que conhecem o mesmo, o citam e o fazem de forma completamente equivocada. Outros erros comuns envolvendo este conceito é tentar compartimentar mais (sustentabilidade sócio-extrativista-da-casinha-do-sô-zé) sendo que as divisões destes campos já serão contempladas se o campo em si for, e criar outro pés que, pensando com um pouco mais de cuidado, já estão implícitos nestes.

Viga reciproca de três bases. Fonte:http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Three_stick_reciprocal_frame.JPG


A segunda, embora esteja sendo tecida pelo mesma linha da primeira, pode ser estendida para além do tema de sustentabilidade, pois se trata da interdisciplinariedade, que outro conceito muito bem aceito quando se fala sobre este tema. Neste caso faço considerações pelo viés pratico pois, em varias ocasiões, lidei com grupos que, conforme manda a cartilha, foram formados para ser interdisciplinar e, na hora de efetivamente trabalhar, as tarefas eram realizadas de acordo com área de competência do indivíduo, não passando por discussão (ou quando passando utilizando o conceito de 'especialidade' para não aceitar criticas e sugestões) chegando a um resultado final indiferenciável de um produzido das formas tradicionais (e não interdisciplinares). Novamente faço a ressalva que não houve um questionamento nesses casos se o grupo interdisciplinar era necessário... todos haviam concordado de que era o correto e, na forma de trabalhar, contrariaram essa proposta.

Embora estes dois exemplos pareçam um pouco distantes um dos outros eles possuem uma causa em comum. O que ocorre nestes casos é que o senso comum, ou mais precisamente o consenso de um grupo, foi criado a a partir de ideias fora da caixa. Para quem não consegue agir bem nessa situação (leia-se, a maioria), pode se dizer que, continuando a analogia das caixas, estas pessoas criaram caixas dentro da sua caixinha de conforto e assim as ideias que estanciam locais fora da caixa (que agora é uma caixa dentro da caixa) agora apontam para dentro da antiga caixa, longe do caos de fora da caixa, completamente dentro da zona de conforto e, consequentemente, completamente equivocadas.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

As Voltas Que Mundo Dá


Há cerca de oito anos atrás eu recebi, por e-mail, um texto intitulado “Você é Hands On?” (procurei por ele na internet para postar aqui mas não achei). Nele, o autor, que já não lembro quem é, expunha as vantagens de ser e de conhecer pessoas que são hands on além de fazer, de forma bem disfarçada, uma depreciação de quem não era. Gostei bastante do texto e, pra mim, era mais um destes textos que todo mundo recebia muito por e-mail (hoje eles são repassados nas redes sociais) sem muita importância, mas depois me surpreendi.

Pra que não se lembra (ou era muito novo) essa época, entre 2003 e 2005, este tipo de assunto foi uma febre. O Monge e o Executivo, livro de 1998, estava nas listas de mais vendido em tudo quanto era lugar. O mundo corporativo estava bem tentador, afinal o país experimentava uma sensação de, aparentemente, segurança econômica, e brotavam gurus ensinados em como fazer seu currículo vazio parecer cheio, e davam muitas dicas sobre como deveria se portar em entrevistas de emprego, que tipo de pessoa você deveria querer que as pessoas achassem que você é e mais um monte de ladainhas desse tipo. Abrindo um parêntese aqui... talvez nem fosse coisa da época, as coisas sempre foram assim e, na verdade, era eu quem estava chegando na idade de me preocupar com essas coisas. De uma forma ou de outra, eu aprendi muito com os erros dessa geração.

Voltando ao assunto, hands on foi um termo que acabou entrando no cotidiano das pessoas. Tentaram até traduzir mas, pra variar, o mundo corporativo gosta do termo no original. Os headhunters (olha aí...) logo ficaram de olhos para identificar quem eram os hands on, haviam testes em revistas para ver se você era, quem não era ficava doido pra ser. Enfim... muito fizeram, e contrataram, e, verdade seja dita, perceberam que a coisa não é bem do jeito que se pinta. Do auge dessa fase eu destaco um texto homônimo ao que me trouxe conhecimento, escrito por Max Gehringer, onde ele satiriza de forma bem criativa o cenário que se formou.

Não é de se espantar que hoje apareça um movimento oposto. Não sei como começou mas já identifico os mesmos sinais do movimento hands on no novo momento procrastinador. Tomei conhecimento deste através do livro do filósofo John Perry, “A Arte da Procrastinação”. Não li (ainda??), mas já li algumas resenhas e entrevistas falando sobre, além das clássicos testes de revista: “você é procrastinador?”, ou “7 motivos para valorizar a procrastinação” (agora, com as matérias de internet ainda existe o X coisas sobre tal assunto que você não sabia), mas gostaria de falar sobre o movimento, e não sobre a obra em si.

Como bom procrastinador (veja bem... já deixei claro que os textos saem na terça mas, mesmo tendo tempo durante a semana, ainda não escrevi nenhum pra deixar de reserva caso não consiga terminar algum a tempo) eu teria motivos de sobra pra dizer que esse é o grande achado... nestas listas de motivos para valorizar a procrastinação eles não citam exatamente o que é, em minha concepção, a causa de todas as vantagens: O procrastinador pensa muito sobre as tarefas. Normalmente o hands on é mais pragmático, e tem facilidade em agir assim. Os procrastinadores por sua vez já refletem muito sobre o assunto, normalmente afim de achar um jeito de fazer mais rápido, e acabam achando as falhas que, alguém pragmático, simplesmente não enxerga.

Mas, como ficou implícito, eu não acho que esse seja o grande achado. Primeiro, dizer as pessoas que tipo de profissional você quer só faz com que elas se “manqueiem” para parecer com o profissional que você quer... foi você que pediu para ser enganado. Segundo, para ter uma equipe boa é necessário que haja duas coisas: diversidade (de opinião, de tipos, de interesses... especialistas, ecléticos, hands on, procrastinadores, conservadores, liberais, etc) e, consequentemente, dinâmica, saber lidar com as diferenças. É engraçado que isso parece muito obvio, mas na pratica nunca é.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Breve Reflexão Sobre Transgênicos #01 – Apresentação

Assim como foi feito com os alimentos orgânicos pretendo abrir uma pequena serie sobre transgênicos. No entanto, ao contrario da outra, esta serie pretende, ao menos no inicio, ser mais estruturada, seguindo um pequeno roteiro. Pretendo, ao longo dos textos, falar um pouco sobre a tecnologia em si, as variedades existentes, o papel de algumas entidades e a visão da sociedade sobre o assunto, não necessariamente de forma tão fragmentada, não necessariamente nessa ordem.

O ponto de partida desta serie é uma pergunta que há muito venho sendo questionado: Você é contra os transgênicos? Ou as vezes de forma mais direta: Por que você é contra os transgênicos? Algumas pessoas, ao serem questionadas com estas perguntas, já têm uma resposta na ponta da língua. Eu não tenho, embora já era pra ter formulado uma... é mais frequente do que parece, mas em geral eu sempre começo perguntando: o que você chama de “os transgênicos”?

Antes de prosseguir vou fazer uma pequena observação. Acontece que na mentalidade dicotômica, que impera na maior parte das pessoas hoje, existe o certo e o errado de forma bem clara e, caso você pondere para responder algo assim você corre o risco de ser tachado de “sem opinião” ou simplesmente de “desinformado”. Você tem que ser contra ou a favor das coisas... ponderar é enrolação. Eu simplesmente não concordo com isso.

Dito isso, prossigamos! Bom, os OGMs (organismos geneticamente modificados) são organismos que passaram pelo processo de transgenia, ou seja, tiveram em seu DNA a implantação de uma estrutura de DNA de outro organismo que trás alguma característica desejável ao organismo que recebe esta estrutura. Isso está exemplificado na figura abaixo e pode ser visto com mais detalhes aqui (não gostei muito deste texto mas foi a primeira pagina retornada pelo Google e, de fato, a mais imparcial que eu dispunha) ou em qualquer pesquisa mais elaborada que você fizer.

Fonte: 

Esta tecnologia permitiu uma maior compreensão do genoma, e consequentemente uma maior compreensão da vida. Desta forma foi possível testar algumas teorias além de, potencialmente, permitir avanços em tantas áreas diferentes que seria difícil listar aqui.

Voltando então a pergunta: o que você chama de “os transgênicos”? É a tecnologia? Porque se for isso eu não tenho absolutamente nada contra. Talvez algumas considerações em relação a forma de se fazer pesquisas, as prioridades, e etc... mas nada contra. Mas esta tecnologia rendeu alguns produtos, e contra alguns deles eu tenho sim varias coisas contra. E são exatamente essas coisas que vão puxar esta serie. Então, até a próxima!

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Breve Reflexão Sobre Alimentos Orgânicos #01

Embora não tenha recebido, até o momento, via blog um questionamento sobre o porquê ter colocado no texto anterior que o consumo de orgânicos por parte dos Flintgreens está como fator negativo, este questionamento é bem comum em minhas conversas em mesas de boteco. Por isso vou iniciar algo que pretende ser uma série (como pode ver pelo titulo) de reflexões sobre os orgânicos. Para bem dizer não iria fazer isso essa semana, mas, por vários motivos, acabou sendo oportuno. OBS – Só para ficar claro, não sou contra alimentos orgânicos... mas há que se diferenciar o que é filosofia e o que é greenwashing.

Recebi essa semana a indicação deste artigo sobre alimentos orgânicos. Não é o primeiro artigo sobre experiências que realizam este tipo de comparação que eu leio, e várias das que eu já tive contato fazem parte da base de dados que levou ao artigo original (que pode ser lido por aqui). Este é um grande embate científico a cerca do tema pois, cada vez que um estudo como este é lançado, normalmente aparece alguma resposta na direção oposta (na forma de um outro artigo ou opinião publica de um cientista que contesta a metodologia do mesmo) quase sempre ligada a uma empresa de agroquímicos.

Existe uma dificuldade realmente muito grande em realizar um estudo definitivo sobre as diferenças nutricionais entre orgânicos x convencionais e, eu diria mais, que o que existe na verdade é uma impossibilidade de determinação. Isso simplesmente pelo fato de que os sistemas de cultivos são (e devem ser) completamente diferentes uns dos outros, ainda que não pareçam. Se fizessem um estudo para determinar as diferenças nutricionais entre dois cultivos convencionais da mesma variedade vegetal, porém, cultivados em locais diferentes, há uma grande probabilidade de se constatar alguma diferença nutricional. Isso porque a presença de micronutrientes não avaliados no exame do solo podem fazer muita diferença, além de resposta fisiológica da planta a alguma adversidade do ambiente pode levar a fabricação de algum composto de metabolismo secundário que terá alguma função nutricional (positiva ou negativa). Uma alternativa, e você talvez tenha pensado nisso, é fazer em ambiente controlado, mas eu refuto esta ideia por dois motivos: primeiro, e mais obvio, é que nós não podemos confiar, para fim de nortear nossa alimentação, em resultados oriundos de ambientes controlados vistos que, nem remotamente, os alimentos que chegam em nossas mesas são frutos de um processo semelhante. Com certeza os resultados são completamente diferentes da nossa realidade; em segundo lugar os cultivos orgânicos utilizam, ou deveriam utilizar, de atributos do ambiente para garantir sua sustentabilidade. A diminuição da complexidade do ambiente, para fim de controlá-lo, pode diminuir muito a capacidade do sistema e prejudicar, e muito, os resultados do orgânico.

Por fim, gostaria apenas de frisar o detalhe jornalístico. Observe que, no próprio texto afirma que o artigo tem como objetivo mostrar que a forma de cultivo influencia nos fatores nutricionais dos alimentos e, exatamente por isso, não se concluiu nada a respeito do que é mais saudável. Mas, a despeito disso, a jornalista fez questão de estampar no título que o estudo confirma os benefícios do alimento orgânico. Tsc, tsc, tsc...